EURO, “FRISSON”, REALIDADE E ESPERANÇA
Jaime de Carvalho Leite
Na
passagem do ano de 2001 para o de 2002 os meios de comunicação veicularam a
euforia com que a população residente nas nações que fazem parte da União
Européia comemorou o início de circulação das notas e moedas do Euro. O
entusiasmo foi tanto que parece ter provocado uma ponta de inveja nos britânicos,
dinamarqueses e suecos, cujos países,
embora integrantes do acordo, ainda não aderiram ao novo padrão
monetário. Há, de fato, razões para
esse “frisson”? É o que
tentaremos responder neste trabalho.
Ainda
que algumas reportagens sobre o
assunto tenham passado nas entrelinhas a idéia de que
a comemoração residiu
mais na falta de outros motivos a serem festejados
do que o início de circulação
das notas do Euro propriamente
dito, não podemos negar a importância do evento.
Trata-se
de um projeto
grandioso no qual se
envolveram 15 países
integrantes da antiga Comunidade Econômica Européia,
com a finalidade de criar uma área de livre circulação de mercadorias
e pessoas, bem como, assegurar
o progresso econômico da região. Para isso os países tiveram que superar suas divergências,
aboliram suas tradicionais moedas, tais como a Lira italiana, o Franco francês
e o Marco alemão, entre outras e culminaram com a criação da moeda única, o
Euro, cujo lançamento virtual ocorreu em primeiro de janeiro de 1.999.
Por
lançamento virtual entende-se o Euro escritural, ocorrido no início da
terceira fase da União Econômica
Monetária, etapa que constituiu-se
de importantes passos em sua
construção, tais como: fixação das taxas de câmbio das moedas
participantes; adoção de política monetária única a todos os países
participantes na área do Euro; possibilidades de os consumidores abrirem contas
corrente denominadas em Euro; etc.
Relevante
também foi o mega trabalho enfrentado pelos sistemas financeiros dos países
membros, onde, num final de semana prolongado (quatro dias), em Londres, tiveram
que adaptar todos os seus equipamentos e sistemas, para converter o valor de
dezenas de milhares de títulos à nova divisa, passíveis de negociação no
primeiro dia útil seguinte.
No
entanto, não obstante a reconhecida grandiosidade do evento, digna de todos os
elogios possíveis, o
que se procura responder é se os objetivos propostos com a criação do Euro
foram, estão sendo ou serão atingidos e em que prazo. Para melhor
organizar os argumentos vamos dividir o assunto em duas vertentes onde, numa,
discorreremos sobre os benefícios à população usuária e em outra, sobre o
objetivo central do Euro, na nossa
opinião, constituir-se num desafio ao US$ americano.
A
imprensa da zona do Euro vem alardeando que os usuários, ou seja,
o cidadão português, o italiano, o francês, etc. e os turistas em
geral foram beneficiados pela eliminação das comissões e taxas
em decorrência do fim do câmbio de moedas entre os países membros,
pela facilidade de trânsito de uma nação para outra e até pela suposta
ampliação do mercado de trabalho de áreas menos progressistas em virtude dos
trabalhadores poderem se movimentar e trabalhar em países diferentes dos seus.
Dão destaque também à boa aceitação do público pelas novas notas do Euro.
De
nossa parte, parece-nos que a condição
básica para o sucesso de uma moeda é a
sua aceitação pelo público. Seria inconcebível impor um padrão monetário
que contrariasse ou criasse expectativas negativas na população. Veja a situação
da Argentina hoje. O Peso é a moeda oficial após o fim da conversibilidade,
mas todos querem o dólar, provocando um caos
sem tamanho no país. Imagine se os europeus batessem o pé e não abdicassem de
suas tradicionais moedas a favor do Euro. No
entanto, objetivamente, esse fato não traz nenhum ganho
financeiro aos seus usuários. Simplesmente abre espaço para que a moeda
vá em frente em busca de seus objetivos maiores. A diminuição dos custos nas
viagens entre as nações membros e a facilidade no trânsito de pessoas também
são vantagens quase que meramente burocráticas. No mercado de trabalho, devem
ser consideradas as grandes diferenças culturais e as rixas do passado como
barreiras naturais à possibilidade de um italiano poder conseguir emprego e
trabalhar tranqüilamente na Inglaterra, por exemplo.
Importante,
a nosso ver, foi o que aconteceu enquanto a população comemorava efusivamente
a posse das novas notas. Conforme
artigo veiculado pelo jornal “Financial
Times”, e publicado pelo Jornal Valor Econômico, de 21/02/2002, o lançamento
das notas do Euro coincidiu com um aumento dos preços na área de influência
da moeda única européia. O fato provocou a manifestação imediata dos ministros e funcionários
dos bancos centrais da eurolândia
tentando desvincular a conexão entre a alta de preços e o lançamento da
moeda. Reconheceram, finalmente, a possibilidade do aumento da inflação no mês
de janeiro de 2002. A revelação
do índices mostrará a verdade. Fatos dessa natureza, se forem confirmados e
persistirem, conclamam a atuação dos Bancos Centrais locais no sentido de
procederem ajustamentos nas taxas de juros, com conseqüências imprevisíveis
nos níveis de crescimento das economias.
O
objetivo maior da criação da União Européia e por conseqüência o
Euro como moeda legal única circulável entre os países membros é competir
com a economia americana e desafiar a supremacia do US$.
Nesse aspecto, a realidade mostra que,
pelo menos até agora, ele se
traduz numa verdadeira incógnita. A União Européia
é formada por 15 países. São
eles: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Grécia,
Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Portugal, que já aderiram à moeda
única e
Inglaterra, Dinamarca e Suécia,
que ainda estão indecisos quanto às suas adesões.
O PIB conjunto dos 12 países já integrados alcança a cifra aproximada de US$ 7,6
trilhões , com uma população de 301 milhões de pessoas. Embora os números
evidenciem um bloco econômico bastante forte, ele ainda é menor que os Estados
Unidos com um PIB de aproximadamente US$ 10,2 trilhões (estimativa para o final
de 2001) e população de 284,6 milhões de habitantes.
Ora,
uma moeda forte pressupõe uma economia forte.
Talvez resida aí a performance negativa enfrentada nas cotações do Euro
frente ao dólar Americano.
Com
uma cotação de US$1,16 em janeiro de 1.999, no seu lançamento,conseguiu
atingir poucos dias depois o teto de US$1,18.
De lá para cá a queda foi constante, atingindo o piso de US$0,8228
em 26/10/2000 e atualmente, 20/02/2002, foi negociado a US$0,87. O desempenho fraco da nova divisa frente ao dólar dá
uma noção clara da preferência dos investidores, fato que consideramos muito
importante na avaliação da moeda. Que fazer?
Não
basta o esforço dos bancos centrais da eurolândia no sentido de trazê-lo à
tona novamente. Será necessário, acima de tudo, a reação positiva das
economias do bloco. Como essa alternativa é pouco provável considerando o rumo
da economia mundial, com maior tendência à estagnação e ou recessão, sobra
a possibilidade de fortalecimento da União mediante adesão de novos
integrantes.
O
que tem a oferecer Inglaterra, Dinamarca e Suécia que, embora membros da União
Européia, ainda não aderiram ao Euro? Conforme artigo publicado recentemente
na revista “The Economist”, 53% dos dinamarqueses votaram contra a adesão
ao Euro em plebiscito realizado em 2000. O suecos votaram a favor, mas com uma
margem tão pequena que os políticos daquele país pretendem fazer uma nova
votação.
Os
ingleses ainda não foram submetidos a nenhum plebiscito, mas pesquisas indicam
que dois terços deles são contra a adesão. Há rumores de que uma possível
adesão da Inglaterra se dê por questões
políticas e não econômicas.
Há
ainda, quanto a possíveis medidas visando o fortalecimento da zona do Euro, a
entrada de novos participantes.
Os candidatos são Bulgária,
Chipre, República Tcheca, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia,
Romênia, Eslováquia e Eslovênia. Ã primeira vista são muitos e poderiam
passar a idéia de engrandecimento econômico do bloco. Acontece que eventuais
novos membros para serem aceitos deverão acatar a legislação do grupo e
atender aos chamados critérios de convergência que são os controles, conforme
parâmetros estabelecidos pelo Banco Central Europeu e demais órgãos oficiais
, sobre as taxas de inflação, juro e câmbio,
o déficit fiscal e a dívida pública.
A
avaliação do grau de convergência exigido
pelos Estados-Membros é efetuada à luz dos seguintes critérios: a taxa
de inflação média, verificada no período de um ano que antecede a data de
avaliação, não pode exceder em mais de 1,5 pontos percentuais a taxa de inflação
média dos três Estados-Membros com melhores resultados em termos de
estabilidade de preços; o déficit público e a dívida pública não podem
exceder respectivamente a 3% e 60% do PIB; observância das margens de flutuação
normais previstas pelo mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário
Europeu (SME), pelo menos durante dois anos, sem grandes tensões; a média da
taxa de juros a longo prazo, verificada no período de um ano que antecede a
data de avaliação, não pode exceder em mais de dois pontos percentuais
a média da taxa de juros a longo prazo dos três Estados-Membros com
melhores resultados em termos de estabilidade de preços.
Esses
parâmetros foram arrolados para dar uma idéia do grau de dificuldade que o
novo candidato deve enfrentar para poder participar
como membro da União Européia. Se por um lado esse filtro funciona bem no
sentido de selecionar com rigor o novo pretendente, por outro,
a possibilidade de fortalecimento do grupo por meio de novas adesões
torna-se mais lenta.
Para
concluir, gostaria de esclarecer que não sou céptico em relação ao Euro.
Pelo contrário, minha simples análise procurou separar os fatos dos exageros
da mídia referendados pelos seus promotores. Acredito que o “frisson” foi
exagerado, que, na realidade, três anos após o seu lançamento,
o Euro ainda não cumpriu
sua missão maior mas, como em economia a perspectiva deve ser de longo prazo,
ainda nos resta muita esperança, que é a razão de vivermos.
Este trabalho foi elaborado com base em dados coletados junto ao Banco Central do Brasil, Banco Central de Portugal, jornal Valor Econômico, Folha de São Paulo e na revista “The Economist”. Ele reflete exclusivamente a opinião do autor e pretende, pelo menos, provocar o debate em torno de tema tão importante, sugerindo que novos associados da ABAMEC Centro-Oeste, voltem ao tema, seja contestando e/ou abordando o assunto sob outro ângulo.
Autor
Jaime
de Carvalho Leite
Graduado
em Contabilidade e Administração de Empresas
Pós-graduação
“Latu Sensu” na UNB – Universidade Nacional de Brasília, concluído em
1994, onde elaborou e defendeu o trabalho “Liquidação Extrajudicial – Um
Projeto de Melhoria”.
Participou
do curso de Técnicas de Gerenciamento, com ênfase para a área de Supervisão
Bancária, patrocinado pelo FED – Banco Central Americano, em New Yok e
Washington, durante o mês de julho de 1996.
Ex-funcionário
do Banco Central do Brasil (1978/1997), tendo exercido as funções de Auditor
do Banco Central e de Supervisor de Bancos.
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